12/12/08

DE BEIJÓS > À ILHA DE MOÇAMBIQUE - Rota da Pimenta

ILHA DE MOÇAMBIQUE NA ROTA DA PIMENTA

"Quando Vasco da Gama chegou, em 2 de Março de 1498, já os portugueses sabiam da existência da Ilha de Moçambique e de outros portos de comércio na costa oriental africana, pois a viagem do achamento do caminho maritimo para a Índia foi longa e hábilmente preparada desde 1415 pelo Infante D. Henriques, que já em 1460 mandava Diogo Gomes à Índia por mar - iam as nossas navegações por alturas do mar da Guiné.

Vinte e tantos anos depois, em 1484, D. João II comunicava ao Papa a descoberta do caminho marítimo do Oriente, e afinal ainda apenas se navegava no mar do Congo. Três anos depois, os descobrimentos tomavam melhor rumo, pois João de Paiva e Pêro da Covilhã eram despachados por terra, via Cairo, em missão de reconhecimento económico dos mercados produtores do Oriente, logo seguidos de Bartolomeu Dias por mar à procura da volta do Cabo.

Não há notícia de qualquer viagem importante entre as de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, mas é de crer que os navegadores da época gastaram alguns anos no estudo da arte de navegar no Atlântico Sul, tempo consumido em medições astronómicas e observação dos ventos e das correntes.

Camões divulgou as perpécias da viagem do Gama e os factos ocorridos durante a sua estadia na Ilha de Moçambique, de que era Xeque um tal Cacoeja.

Obtido o necessário pilôto e deixados dois degredados na Ilha a tomar notícias: Damião Rodrigues e João Machado, o jovem capitão (29 anos apenas) seguiu para o Oriente, tornou a passar por Moçambique na volta, ocasião em que na Ilha de Goa foi rezada missa campal, deixou um padrão, fez-se ao mar e seguiu para Lisboa. Estava descoberto o caminho marítimo da Índia, em cuja rota ficou encorporado o pôrto de Moçambique como escala necessária à navegação sujeita à contingência das monções.

Logo depois veio Pedro Álvares Cabral e outras mais armadas começaram a tocar em Moçambique, feitoria desde 1502 e pôrto sempre marcado nos regimentos das armadas, instruções de que vinham munidos todos os capitães que traziam frotas à Índia.

Dois motivos obrigaram os portuguêses à ocupação militar de portos na costa oriental de África: o ouro de Monomotapa, que os levou a fortificar Sofala, e a navegação da Índia, que os fixou em Moçambique. E assim em 1507 o feitor Duarte de Melo começou a levantar uma fortaleza ligeira à maneira dos pequenos castelos de Portugal, com sua tôrre de menagem - o Forte de S. Gabriel, perto da actual Praça de S. Sebastião, e se abaluartou a ponta norte da Ilha, virada ao mar, para defesa da barra, com bateria de canhões no lugar onde anos depois se levantou a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, que tomou o seu nome do facto de ali haver aquela primeira defesa improvisada.

Para administração, defesa e guarda dos negócios da África Oriental nomeou EL-Rei o seu capitão de Sofala e Moçambique sem lugar fixo, residindo num pôrto ora noutro, mas é de crer que estivesse em Moçambique sempre por voltas de Agosto, quando chegavam as naus do Reino com as cartas de novas, acêrca da oriêntação a dar ao negócio de Sofala e dos Rios.

Com o progresso do trato da India e o incremento da guerra naval no Oriente - que os maometanos nos não perdoavam, incitados pelos Estados da Índia, que tivessemos em detrimento deles o monopólio da especiaria, começou a crescer a importância da pequena Ilha de Moçambique, e quando D. João de Castro em 1544-1545 foi mandado governar o Oriente era já de grande necessidade a fortificação do pôrto.

Já as nossas dificuldades na Índia eram enormes e pode afirmar-se que não levavamos para Lisboa um quintal de pimenta que não custasse ao Rei- Senhor do Comércio- o sacrifício dos soldados que morriam nas batalhas da terra e do mar, avultadas despesas de guerra contínua, navios perdidos e outras mil desgraças, mas valia a pena sustentar ainda o comércio do Oriente nem que fôsse à força de canhões. Foi esta a razão que levou o Governador D. João de Castro a propor a contrução da Fortaleza de S. Sebastião, ao mesmo tempo que indicava a necessidade de inutilizar o canal de Sancul, entupindo-o, projecto grandioso que teve a aprovação real mas não passou disso.

Na verdade, Moçambique, Ormuz, Goa e Malaca eram as bases que para o tempo, defendiam o nosso comércio indiano da cobiça alheia e da obstrução dos mulçumanos. O Oceano Índico era um mar português em cuja orla ficavam espalhadas, mas guardadas, as feitorias que abasteciam a Casa da Índia, sustentavam a Fazenda Real e no fim de contas enriqueciam apenas os banqueiros estrangeiros de Lisboa, os flamengos da Flandres e os mercados da Holanda e Hamburgo.

1570 é o auge da época do ouro; desembarca em Moçambique a grande expedição de Francisco Barreto para a conquista do Monomotapa.

Ao findar o século XVI já a praça de Moçambique era povoado importante, com duas fortalezas, hospital, igrejas e casas de religiosos (em que não havia número de frades para constituir conventos), e era numeroso o casario, tal qual como no-lo deixou Linschotten num desenho precioso.

Deve-se o crescer do povoado ao aumento de moradores em especial gente de guerra.

Em cada jornada as náus levavam padres para converter os infiéis, soldados para combater, feitores para o comércio, fidalgos pelintras enxotados ao Paço da Ribeira com sua carta de mercê lavrada a benesses de ganância, homens honrados e gente vilã, mulheres brancas que acompanhavam seus maridos ao serviço de EL-Rei, bispos e frades, um santo ea fina flôr da nobreza, a ralé, e de todos, muitos por lá ficaram, outros, poucos, voltaram, uns honradamente pobres, outros deshonestamente ricos.

Outro pequeno Oriente era a Zambézia, que os portugueses calcorreavam em busca de ouro, subindo o rio e trilhando a selva, fundando Sena, passando a Tete, subindo à Manica, comprando, vendendo panos, bugigangas, alcool em troca do marfim, do ouro e da prata.

Neste comércio a Ilha é apenas entreposto.

Século XVII. A estreia é má. Os holandeses já não se contentam com a troca mercantil via Lisboa; querem ser os intermediários e vêm à Índia nos seus navios com os seus soldados. Não lhes passa, porém despercebida a grande importância do pôrto de Moçambique e atacam a Ilha, várias vezes, uma delas em força. D. Estêvão de Ataíde, capitão da praça, defendeu-a dum cêrco feroz com 100 soldados e 50 moradores, numa luta longa e árdua, dia e noite, durante semanas.

Salvou-se o povo, salvou-se a praça. Os Holandeses levantaram cêrco depois de arrasar e incendiar a cidade, causando enormes prejuizos, avaliados em 100:000 cruzados da época.

O século XVII é o periodo áureo das igrejas na Ilha. Surgem os jesuítas, que prestaram no sertão serviços relevantes, e deles se sabe que na Ilha eram possuidores da maior parte das casas de aluguer, que obtiveram por doação, certamente.

Facto importante a registar no século XVII é a mudança que se opera na vida económica da Conquista e que tem seus naturais reflexos na capital.

Em virtude da ocupação da costa dos Reinos de Angola e Congo pelos holandeses, inicia-se em Moçambique o comércio de exportação de escravos para o Brasil; passa-se da economia do ouro para a economia da escravatura, inaugura-se uma nova época da história desta costa. O grande negócio do escravo é a moneração, porque o indigena extrai menos ouro e o negócio do escravo é mais fácil. Data de então a grande penetração económica nas terras firmes do continente fronteiro à Ilha, porque na zona de influência da capital o Mossuril é a base dêsse negócio.

Ainda no século XVII a praça de Moçambique cresceu de importância por causa da busca das famosas minas da prata, na Zambézia, e que tiveram sua lenda na Europa, e Ilha, pela segurança da sua fortaleza, era considerada indispensável para o bom êxito dessa empresa que foi sonho dum século.

Outro facto da mais alta importância no século XVII foi a fundação da Companhia dos Banianes de Dio em 1686, com privilégio do Vice-Rei para o comércio entre aquela praça e Moçambique.

No século XVIII acentua-se a decadência da Colónia, a braços com uma grave crise económica. Para a levantar de tal abatimento resolve em 1752 o Marquês de Pombal separar Moçambique do Governo da Índia, e tal medida teve logo o seu reflexo na Ilha, que em 1761, por carta régia de 9 de Maio, foi elevada de praça à categoría de Vila."

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