> Luanda
A população de Luanda celebrou este domingo o 433.º aniversário da fundação da cidade.
A sua história secular está associada aos musseques, que são bairros pobres, de casas construídas à base de madeira ou pau e barro, habitadas por gente humilde.
Artur Pestana “Pepetela”, antigo docente da cadeira de Sociologia Urbana, na Faculdade de Arquitectura, da Universidade Agostinho Neto, explicou ao jornal de Angola a origem dos musseques.
Falou dos comerciantes portugueses que neles habitavam, também conhecidos por “fubeiros” e sobre o racismo na antiga Luanda. “O Bairro Operário não nasce como musseque. Foi o primeiro bairro urbanizado em Luanda, construído pela Câmara”, revelou.
Segundo o académico, os musseques surgiram no tempo colonial, por volta do século XIX. O termo quer dizer “areia vermelha”, mas do ponto de vista sociológico mostrava a exclusão social, fundamentalmente da população africana em relação ao centro da cidade. Nessa altura, Luanda era composta essencialmente pela Cidade Alta, desde a Fortaleza de S. Miguel ao Hospital Josina Machel.
Nesse corredor estavam instituições do governo, igrejas e casas de funcionários superiores da administração colonial. A Cidade Alta era uma zona habitada pelo poder político, militar e religioso.
A Cidade Baixa compreendia a zona dos Coqueiros, passando pela Baía até à Estação do Bungo, isto ainda no século XIX. E é nesta época que quase tudo começa em relação aos musseques.
Aproveitando-se de uma epidemia que houve na cidade entre 1870 e 1880, o governo decretou o derrube de uma série de cubatas que existiam no Bairro dos Coqueiros. Artur Pestana “Pepetela” diz que não consegue precisar se a peste se tratava de surto de cólera ou outra doença.
Na época da escravatura os donos de escravos mantinham-nos próximos de si, nos quintais de suas casas, para melhor controlarem os trabalhos forçados. Terminado o regime de escravatura já não era necessário que os antigos escravos continuassem a morar perto dos antigos donos. Mas muitas cubatas continuavam a existir.
O pretexto encontrado para acabar com elas foi a epidemia. Diziam que a peste provinha das cubatas que albergavam escravos nos Coqueiros. Assim, parte das cubatas foram queimadas e a população que nelas residia foi obrigada a subir para a zona acima da Igreja do Carmo, que era o limite da cidade.
“Cria-se então o Bairro da Ingombota, que é o primeiro musseque de Luanda. Foi nessa altura, pela primeira vez, que uma parte da população foi empurrada para a periferia, onde até existiam animais ferozes como leões”, esclarece o sociólogo. Foi nesta altura que apareceu o termo musseque, onde passaram a residir aqueles que eram os marginalizados da sociedade colonial.
No século XX, mais propriamente em 1922, é aberta a Rua Brito Godins (Avenida Lenine), que sai do Largo do Kinaxixi, passa pela escola Mutu-ya-Kevela, antigo Liceu Salvador Correia e termina na Maianga.
Esta rua passou a ser a fronteira entre a cidade e o musseque. Artur Pestana diz que nessa época a Ingombota passa a estar integrada na cidade. O Maculusso era musseque. Havia nessa zona, até 1940, o musseque Braga, onde hoje é o Mutu-ya-Kevela e o chamado bairro do Café.
Os bairros periféricos eram chamados musseques, independentemente do tipo de construção. Geralmente, eram erguidos à base de areia vermelha com ramos de palmeira entrelaçados. A última fronteira do tempo colonial é a Rua Senado da Câmara, que aglomera a conhecida vala de drenagem da Cidadela Desportiva e vai até às barrocas da Boavista. “Estamos no ano de 1950. Na altura, começa-se a construir o Bairro Popular, mas não como musseque”.
Nível de vida fonte de racismo
O sociólogo Artur Pestana afirma que nunca houve uma discriminação racial absoluta na era colonial. Tratava-se, sim, de uma discriminação de classes, sobretudo nos rendimentos. Havia famílias africanas que viviam na cidade e europeus que residiam nos musseques, sobretudo os comerciantes. “Não era como na África do Sul, onde o apartheid incidia o seu peso na raça da pessoa”.
Prova disso, diz, é o caso dos comerciantes portugueses que viviam nos musseques, cujas lojas eram compartimentos da casa que habitavam e eram apelidados de fubeiros, porque vendiam fuba, um termo na época ofensivo, abusivo, humilhante. “Teu pai é fubeiro”, é assim que muitos filhos de comerciantes eram insultados.
Alguns comerciantes, diz Artur Pestana, podiam até acumular certa riqueza em função dos rendimentos das lojas, mas por residirem nos musseques em conjunto com populações africanas eram considerados pobres. “Mas, repito, não era um apartheid. Era uma discriminação, condições de vida, cultura, como o acesso à escola”.
Artur Pestana lembra que Mário António de Oliveira, um grande estudioso da Luanda do século XIX, fez um estudo sobre a cidade. Conseguiu estatísticas das suas escolas e mostra que a maioria dos alunos eram mestiços ou negros, ao passo que a minoria era branca.
A situação inverteu-se no século XX. “Já era uma fase diferente”, diz o sociólogo. A proporção de brancos era cada vez maior em relação aos negros. “Não era uma situação oficial, mas era mais difícil, porque se criavam certas dificuldades afastando os africanos do centro para a periferia onde havia poucas escolas”.
Em termos de percentagem de crianças em idade escolar e na escola, há um decréscimo no século XX em relação ao XIX, relativo às crianças negras e mestiças. “Os dados, as estatísticas existem e estão aí...”.
No princípio do século XX, mais precisamente em 1910, quando foi instaurada a República em Portugal, aumentou a discriminação racial em Angola, mas devia ser o contrário, afirma o sociólogo. O problema não residia no regime em Portugal, mas no colonialismo, afirma. “Só mais tarde se percebeu que se devia atacar o sistema colonial”.
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